A história que vou lhe contar é uma pequena parte. Que tem por intuito falar das nuances e sutilezas deste mundo que vivemos. Segue uma pequena legenda dos personagens.
Eustáquio é o menino que cobiçou aquilo que não lhe era aconselhado, e ao acordar se viu transformado em um dragão. Algo que não gostou e que lhe trouxe muito sofrimento e dor.
O Leão representa o Leão da Tribo de Judá, aquele que venceu para que fossemos vitoriosos com Ele e Nele.
O bracelete, que transformou a Criança, Eustáquio, em dragão é o encantamento deste mundo sobre nossos sentidos, do que aparentemente é bonito e desejável. Aquele que nos leva por caminhos que não queremos andar e que nos aprisiona nas prisões que não queremos ficar e que sozinhos, não conseguimos sair.
Esse é um trecho de um livro de C.S.Lewis. Eu entendo este trecho como uma parábola que, a primeira vista, nos apresenta três coisas:
1. Apresenta a criança que cobiçou o que não convinha cobiçar e foi envolta por um encantamento que a transformou em um dragão, animal esse que na história representa tudo o que a criança não queria ser e todos aqueles sentimentos que são gerados dentro de nós, e que contraímos nos caminhos que tomamos nessa vida. Em fim as concequências de muitos atos.
2. O bracelete que na história foi o alvo da cobiça do garoto e que, a princípio parecia um tesouro muito valioso e bonito, no decorrer da mesma história se tornou o aprisionamento que além de o machucar física e mentalmente, tornou-se para ele sua própria prisão. Prisão na qual passou, muito tempo, tentando se libertar sozinho e não pôde.
3. O Leão representa o Cristo que venceu para que nós seguíssemos o seu exemplo e fossemos libertados das nossas prisões físicas, emocionais e principalmente mentais. Que na minha opinião são as que exigem maior esforço e fé para sermos libertos, já que as mesmas se transformam em dramas que não param de rodar em nossas cabeças roubando nossas energias, alegrias, saúde e nossa liberdade. E quanto mais corda damos para tais dramas mais eles se tornam como labirintos mentais, nos quais é bem fácil se perder.
Em determinados momentos da vida todos nós nos deixamos transformar em coisas que não queremos, falo isso por experiência própria e você sabe do que estou falando, somos guiados pelos cursos das coisas e desse grande rio de improbidades, medos, anseios e loucura, e que em alguns momentos, esse último é a melhor definição para a mentalidade corrente neste mundo. Não é para menos que o Apóstolo João diga que “o mundo jaz em densas trevas”. Minha visão de mundo diz que isso já estava ai, sendo trabalhado, desde antes de sermos colocados onde estamos. E é a nossa fé que vence o curso deste mundo e o próprio mundo.
Transcrevo o trecho deste livro pois como já te disse, eu o entendo como uma parábola que guarda em seu interior uma mensagem, e uma grande verdade; a que todos em algum momento devemos nos deter, já que todos em dados momentos, ao acordamos para a vida, percebemos que nos transformamos naquilo que não gostaríamos e que conscientemente jamais nos tornaríamos.
Mas minha intenção, com o texto, não é me deter no mal que vivenciamos todos os dias. Não! É, sim me deter, e parar; na liberdade e libertação que nos é dada pela Fé em Cristo, e a que somos inquiridos, a entender, a seguir, a imitar e conquistar até o último segundo. E a libertação que Ele tem para nós é a de sermos verdadeiramente libertos daquilo em que nos transformamos. E então seremos o que temos de ser realmente, a saber, crianças. As crianças aptas ao Reino. Arrancando toda as peles que não nos pertence mas que nos aprisionam.
Segue o trecho:
"- É você, Edmundo?
- Sou eu, e quem é você?
- Não está me conhecendo? Sou eu, o Eustáquio.
- Caramba! É mesmo você, meu caro?...
- Silêncio! - respondeu Eustáquio, cambaleando como se fosse cair.
- Opa! Que tem você? Sente-se mal?
Eustáquio ficou tanto tempo em silêncio que Edmundo achou que tivesse
desmaiado. Mas disse por fim:
- Foi horrível. Você não pode imaginar, mas agora já me sinto bem.
Podemos conversar um pouco por aí? Não quero, por enquanto, encontrar-me
com os outros.
- Naturalmente, onde você quiser. Vamos até aquelas rochas lá embaixo.
Estou muito contente de vê-lo de novo. Você deve ter passado por maus
lençóis.
Caminharam para as rochas e sentaram-se para olhar a baía, enquanto o céu
se tornava mais pálido e as estrelas iam desaparecendo, com exceção de
uma, muito brilhante e muito perto da linha do horizonte.
- Não vou contar como virei dragão, pois tenho também de contar para os
outros para acabar de uma vez para sempre com isso tudo. Aliás, só soube
que era dragão quando ouvi você usar essa palavra medonha naquela manhã
em que voltei.
Mas vou lhe dizer como deixei de ser dragão.
- Vá em frente - disse Edmundo.
- Bem, na noite passada eu estava mais infeliz do que nunca. Este
bracelete horrível me machucava como o quê...
- Não machuca mais?
Eustáquio sorriu - um sorriso diferente daquele que Edmundo conhecia - e
facilmente deslizou o bracelete para fora do braço.
- Aqui está - disse Eustáquio. - Se alguém quiser, que fique com ele.
Mas, como ia dizendo, estava ali deitado, pensando na minha vida, quando
de repente... Mas, pense bem, isso pode ter sido um sonho. Não sei...
- Continue - disse Edmundo, com uma paciência espantosa.
- Bem, seja lá como for... Olhei e vi a última coisa que esperava ver: um
enorme leão avançando para mim. E era estranho porque, apesar de não
haver lua, por onde o leão passava havia luar.
Foi chegando, chegando. E eu, apavorado. Você talvez pense que eu, sendo
um dragão, poderia derrubar a fera com a maior facilidade. Mas não era
esse tipo de medo. Não temia que me comesse, mas tinha medo dele... não
sei se está entendendo o que quero dizer... Chegou pertinho de mim e me
olhou nos olhos. Fechei os meus, mas não adiantou nada, porque ele me
disse que o seguisse...
- Falava?
- Agora que você está me perguntando, não sei mais. Mas, de qualquer
maneira, dizia coisas. E eu sabia que tinha de fazer o que me dizia,
porque me levantei e o segui. Levou-me por um caminho muito comprido,
para o interior das montanhas. E o halo sempre lá envolvendo-o.
Finalmente chegamos ao alto de uma montanha que eu nunca vira antes, no
cimo da qual havia um jardim. No meio do jardim havia uma nascente de
água. Vi que era uma nascente porque a água brotava do fundo, mas era
muito maior do que a maioria das nascentes - parecia uma grande piscina
redonda, para a qual se descia em degraus de mármore. Nunca tinha visto
água tão clara e achei que se me banhasse ali talvez passasse a dor na
pata. Mas o leão me disse para tirar a roupa primeiro. Para dizer a
verdade, não sei se falou em voz alta ou não. Ia responder que não tinha
roupa, quando me lembrei que os dragões são, de certo modo, parecidos com
as serpentes, e estas largam a pele. "Sem dúvida alguma é o que ele
quer", pensei.
Assim, comecei a esfregar-me, e as escamas começaram a cair de todos os
lados. Raspei ainda mais fundo e, em vez de caírem as escamas, começou a
cair a pele toda, inteirinha, como depois de uma doença ou como a casca
de uma banana. Num minuto, ou dois, fiquei sem pele. Estava lá no chão,
meio repugnante. Era uma sensação maravilhosa. Comecei a descer à fonte
para o banho. Quando ia enfiando os pés na água, vi que estavam rugosos e
cheios de escamas como antes. "Está bem", pensei, "estou vendo que tenho
outra camada debaixo da primeira e também tenho de tirá-la". Esfreguei-me
de novo no chão e mais uma vez a pele se descolou e saiu; deixei-a então
ao lado da outra e desci de novo para o banho. E aí aconteceu exatamente
a mesma coisa. Pensava: "Deus do céu! Quantas peles terei de despir?"
Como estava louco para molhar a pata, esfreguei-me pela terceira vez e
tirei uma terceira pele. Mas ao olhar-me na água vi que estava na mesma.
Então o leão disse (mas não sei se falou): "Eu tiro a sua pele". Tinha
muito medo daquelas garras, mas, ao mesmo tempo, estava louco para ver-me
livre daquilo. Por isso me deitei de costas e deixei que ele tirasse a
minha pele. A primeira unhada que me deu foi tão funda que julguei ter me
atingido o coração. E quando começou a tirar-me a pele senti a pior dor
da minha vida. A única coisa que me fazia aguentar era o prazer de sentir
que me tirava a pele. É como quem tira um espinho de um lugar dolorido.
Dói pra valer, mas é bom ver o espinho sair.
- Estou entendendo - disse Edmundo.
- Tirou-me aquela coisa horrível, como eu achava que tinha feito das
outras vezes, e lá estava ela sobre a relva, muito mais dura e escura do
que as outras. E ali estava eu também, macio e delicado como um frango
depenado e muito menor do que antes. Nessa altura agarrou-me - não gostei
muito, pois estava todo sensível sem a pele - e atirou-me dentro da água.
A princípio ardeu muito, mas em seguida foi uma delícia. Quando comecei a
nadar, reparei que a dor do braço havia desaparecido completamente.
Compreendi a razão. Tinha voltado a ser gente. Você vai me achar um
cretino se disser o que senti quando vi os meus braços. Não são mais
musculosos do que os de Caspian, eu sei que não são muito musculosos, nem
se podem comparar com os de Caspian, mas morri de alegria ao vê-los.
Depois de certo tempo, o leão me tirou da água e vestiu-me.
- Como?... Com as patas?
- Não me lembro muito bem. Sei lá, mas me vestiu com uma roupa nova, esta
aqui. É por isso que eu digo: acho que foi um sonho.
- Não, não foi sonho, não - disse Edmundo.
- Por quê?
- Primeiro: a roupa nova serve de prova. Segundo: você deixou de ser
dragão... Acho que você viu Aslam.
- Aslam! - exclamou Eustáquio. -Já ouvi falar nesse nome uma porção de
vezes, desde que estou no Peregrino. Tinha a impressão - não sei por quê
- de que o odiava. Mas eu odiava tudo. Aliás, quero pedir-lhe desculpas.
Acho que me comportei muito mal.
- Não tem a menor importância. Cá para nós, você foi menos chato do que
eu na minha primeira viagem a Nárnia. Você apenas foi um pouco boboca,
mas eu banquei o traidor.
- Bem, então não se fala mais nisso. Mas... quem é Aslam? Você o conhece?
- Ele, pelo menos, me conhece. É o grande Leão, filho do Imperador de
Além-mar. Salvou a mim e a Nárnia. Nós todos o vimos. Lúcia sempre o vê.
Pode ser que tenhamos chegado ao país de Aslam.
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- Muito bem, então é de quem pegar - disse Caspian, atirando a jóia para
o alto. Isso se deu no momento em que estavam todos contemplando a
inscrição na pedra.
O bracelete volteou no ar, brilhando à luz do sol, e, caindo, foi ficar
pendurado, como uma argola atirada de propósito, numa saliência na
rocha. Não se podia subir para tirá-lo, nem era possível apanhá-lo pelo
lado de cima.
Assim, lá ficou pendurado e, tanto quanto eu sei, lá ficará até que o
mundo deixe de ser mundo."
Trecho do livro: AS CRÔNICAS DE NÁRNIA A Viagem do Peregrino da Alvorada
Se me pedirem para dizer novamente em uma única frase ficaria mais ou menos assim:
A nova esperança e nova vida que nos é dada todos os dias, só precisamos de fé para recebe-la.