sexta-feira, 3 de junho de 2011

O gato

Jardim de infância, primeiro dia de aula.
Eu que nada sabia da vida acadêmica e de suas exigência sobre os seres que adentram seus domínios, já preestabelecidos e com suas regras que predeterminam talentos ou incapacidades.
Cinco ou seis anos, entro na sala de aula, onde aqueles que já lá dentro, inspiravam uma certa experiência nos assuntos de jardim mi olhavam com certa interrogação e expectativas indisfarçáveis.
Venço minha primeira barreira de olhares e finalmente mi sento em uma das cadeiras, de forma apreçada e com elevado grau de desconforto bem visível aos olhares mais indiscretos e persistentes, apenas rompido pelo som quase redentor, de uma voz feminina que cortava o desconforto do momento, e distraía meus atentos colegas. Um alívio despontava no horizonte, como o sol em uma manhã de neblina.
Uma ligeira apresentação e boas vindas aos novatos.
E então a primeira tarefa do dia, de muitas outras tarefas que se seguiriam no decorrer da vida e para o resto da mesma.
Entre as fileiras, ela passava com folhas brancas em suas mãos, que eram distribuídas a todos.
Um gato!
Seus traços em preto contrastavam o branco do papel e se faziam evidentes.
Um gato!
Lápis de cor, giz de cera.
No meu afã de pintor, não tive a curiosidade de olhar em volta para ver como meus colegas, mais experientes se comportavam frente a missão.
E sem pestanejar mi pus a colorir.
Um gato!
Pensei...
Marrom.
As pintas!
Pensei...
Pretas.
Estava decidido.
E assim foi.
O peso da mão a segurar o giz de cera marrom foi movido por um combustível de inspiração e concentração que nem eu sabia de onde vinham.
Na metade do gato, o erro se fez evidente.
Tarde demais!
Não dava pra voltar atrás.
Tarde demais!
Então segui.
E botava mais força, na esperança de que através do esforço, o marrom se adaptasse a visão inicial e se fizesse bonito.
Ao findar-se.
Olhei.
E olhei.
E olhei.
E novamente...
...na tentativa de enchergar o que não existia.
Olhei.
Desisti.
E não gostei do que vi.
E por um instante.
Como em um estalo.
Um vislumbre.
Decidi levantar a cabeça, não para seguir em frente e esquecer o grotesco desenho que se fazia tão vivo e em seus tons de marrom, impossíveis de se ignorar mas sim para olhar em volta, na busca desesperada de um refúgio, que naquele momento, se transmutaria em um gato que fosse mais feio que o meu.
A procura frenetica durou apenas alguns minutos.
Não achei!
Todos os gatos se faziam tão amarelos e bonitos, que não pude mais fugir da minha derrota como artista, no meu primeiro dia de aula, no jardim de infância.
Não nascia ai um pintor pois o fracasso do gato se fez evidente mas as sementes da autocritica, características tão escassa nesses nossos tempos, forjavam suas primeiras folhas através do terreno pedregoso que se chama ego.

Créditos da imagem: Jamison Dias